A compreensão ocidental acerca do significado de parentesco e de suas implicações sociais e jurídicas não está isenta de historicidade, tampouco é passível de ser apreendida como uma verdade absoluta e inquestionável. Prova disso são as considerações de Claudia Fonseca (2004) sobre o impacto que as ciências biomédicas tiveram ao final do século XX, não só na composição de novas relações de parentalidade, mas também na maneira como os campos de produção eruditos passaram a conceber família e parentesco.

Segundo essa autora, a popularização da pílula anticoncepcional, na década de 1960, e sua consequente promoção de ruptura entre sexualidade/reprodução, as novas tecnologias reprodutivas1 e a possibilidade de mudança de gênero, por meio das cirurgias de transgenitalização, foram “fatos” que contribuíram para a mudança da visão ocidental sobre laços biológicos, família e parentesco. Nesse contexto, a biologia vai, aos poucos, deixando de ser vista como um dado bruto, existente fora da ou anterior à cultura, ao mesmo tempo em que não é mais vista como uma força que opera a partir de uma natureza dada ou fixa2.